– Collins! – eu disse, empurrando-o para longe – Você me assustou!
– Eu vou matar
você, Craig! Matar, está me ouvindo? – ele gritava, com um dedo apontado para o
meu rosto.
Louis Collins era o que se
pode chamar de meu melhor amigo. Na falta de algo melhor, devo dizer. Ele me
pagava sorvetes de vez em quando, deve ser por isso que eu não me afastava dele – apesar de fazer-me de saco de pancadas sempre que sentia vontade de descontar
a raiva em alguém. Collins também vivia no abrigo para menores – o prédio abandonado que invadimos há alguns meses.
Ele tinha dezesseis anos e se
achava muito mais experiente e sábio que eu. Só que na verdade sempre fui o
mais astuto, apesar dos dois anos a menos. Collins era uma espécie de irmão
mais velho: brigávamos o tempo todo, mas éramos bons companheiros. E eu
já me acostumara com seu jeito explosivo.
– Porque está
gritando comigo? – perguntei, enquanto me esquivava de um soco dele.
– Onde diabos você
se enfiou?
– E o que você tem
com isso? Esteve com saudades? – provoquei.
Ele se enfureceu ainda mais.
Dizia palavrões e andava de um lado para o outro. Seus olhos faiscavam quando
ele conseguiu me acertar um belo golpe no queixo.
– Seu desgraçado!
Eu pareço estar com saudades? – gritava ele, enquanto eu sorria limpando o
sangue da boca com a manga da roupa.
– E por que outro
motivo estaria tão enfurecido? – falei, com a voz sedosa.
– Não sei –
ironizou, errando um novo soco – Talvez porque você me roubou durante a noite!
– Ah, isso! – eu
fingi ter acabado de me lembrar – Um homem estava precisando mais daqueles
curativos que você.
– Um homem? Um
homem? – ele estava quase babando – Você gastou meus curativos com um
desconhecido? Eu vou mesmo matar você, moleque!
Eu ria enquanto desviava de
seus golpes. Depois de tanto tempo, já tinha ficado bom em fazer isso. Collins
era previsível. Além do fato de que ficava cego quando estava muito enfurecido.
Eu tinha sorte por ele gostar de fazer as coisas com as próprias mãos, ao invés
do líder do abrigo, Anthony Roberts, que vivia cercado por seis outros
grandalhões.
– Me escute,
Collins! – gritei.
Ele parou ofegante, apoiou as
mãos nos joelhos para descansar.
– Ok – disse por
fim, depois de recuperar o ar – É bom que você tenha uma boa explicação, Craig,
ou eu vou matá-lo!
– Ótimo – respondi – Eu tenho um emprego.
A primeira reação de Louis foi
encarar-me surpreso, depois rir descontroladamente. Quando percebeu que eu
continuava sério, o sorriso desapareceu de um jeito engraçado.
– Espere – disse,
aproximando-se de mim – Você está mesmo falando sério?
Contei-lhe tudo, desde o
momento em que saí do abrigo armado com um revolver para assaltar qualquer um
que me parecesse suficientemente indefeso e sozinho; até o momento em que
acordei num quarto de hotel. Tudo isso, tomando o cuidado, é claro, de esconder
os planos do Sr. Nicholls.
– Então... – disse
Collins quando terminei. Ele parecia demorar um pouco para processar tanta
informação – Você atira em um homem e ele lhe oferece um emprego?
– Eu sei que não
faz muito sentido, mas precisa acreditar em mim – justifiquei-me.
Encarei-o com um pouco de
medo, mas ele não parecia zangado. Encolhi-me quando ele chegou a uma distância
em que poderia bater em mim caso quisesse.
– Você sempre foi
o mais esperto – admitiu, colocando uma das mãos em meu ombro e sorrindo com
orgulho.
As palavras me pegaram de
surpresa.
– Louis... – comecei a dizer.
– Não – interrompeu-me – Você tem sorte, Christopher. E não merece passar o resto dos
seus dias mendigando por aí.
– Louis, se você
quiser, eu posso falar com o Sr. Nicholls – propus, sem poder evitar as
lágrimas – Pergunto se não há espaço para mais um! Eu juro, falo sim!
– Eu pertenço às
ruas, Christopher. Aqui é a minha casa – disse ele, fazendo um amplo gesto com
os braços – Você não é daqui, moleque. Vá seguir seu caminho!
Nós nos abraçamos longamente.
– Obrigado – sussurrei.
Corri chorando pelas ruas de
Londres, rumo ao endereço escrito no papel. Ninguém notava, nem nunca havia
notado. Nós, meninos de rua, nascíamos invisíveis aos olhos dos londrinos, e
assim permanecíamos. Esse dom chegava a ser irritante. As únicas vezes em que
nos viam, era quando roubávamos alguma coisa. Como se de repete, todos os olhos
se decaíssem sobre nós ao mesmo tempo. E então, depois de tudo devidamente
esquecido, voltávamos a invisibilidade.
Depois de pouco mais de uma
hora peregrinando pela cidade, cheguei à casa. Era exatamente igual à descrição
que o Sr. Nicholls me fizera. Um grande casarão antigo, com dois pinheiros à
frente.
Um
grupo de três crianças muito bem alinhadas atravessava a rua.
– Ei, vocês – gritei, de um jeito estabanado.
Os garotos pararam e se
entreolharam com olhos arregalados e expressões amedrontadas.
– Quero saber quem
mora nessa casa – eu disse, apontando. Os meninos assustados guardaram silêncio.
Um
deles se atreveu a dizer, com a voz trêmula:
– Não sabemos,
senhor! Era de Phillip Mason, mas ele se mudou depois da morte do pai!
Agarrei o garoto pela gola da
blusa e o trouxe mais para perto.
– E onde ele mora
agora? – fiz um certo esforço para parecer suficientemente mal.
– Desculpe, senhor! É tudo o que sei!
– Tem certeza do que está dizendo? – insistiu Collins, fazendo o menino
chorar.
Um
outro passou à frente, num ato de coragem, e disse:
– Ouvi dizer que se mudou para a rua Belo Monte, senhor!
– Larguei o garoto que – para meu orgulho – choramingava, e aproximei-me do que
acabara de falar.
– Mesmo? E o que mais você sabe?
– Meu... meu pai conhece o Sr. Mason... – respondeu o garoto, encolhendo-se – Disse... que ele mora em uma casa duas vezes maior que essa!
Não
precisou de muito esforço para que cada um dos informantes milagrosamente se
lembrasse de detalhes adicionais para ajudar-me. Collins sempre foi muito bom
ameaças, acho que acabei aprendendo isso com ele. Caminhando à rua indicada, eu
pensava no quanto o Sr. Nicholls ficaria surpreso e satisfeito com o meu
progresso. Sorri ao imaginar.
Quando
cheguei à esquina da Belo Monte, reparei em uma mulher que vinha do outro lado
da rua. Ela atravessou e parou diante de mim, com uma expressão sombria. Antes
que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela me calou com um sinal de mão.
– Eu sei o que veio fazer aqui, garoto – disse-me, com uma voz assustadora – E
não vou permitir.
Até que enfim né, tava entrando todos os dias no "Infinita Calmaria" pra ver se o capítulo VII tinha saído. E vê se não demora pra postar o próximo, estamos ansiosos. Beijos!
ResponderExcluirDesculpe a demora, amigo... estive meio sem criatividade essa semana (tanto que o capítulo não saiu tão bom quanto seus antecessores). Perdoe a demora, não vou deixar vocês curiosos por tanto tempo novamente! Beijos!
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