Era
início de noite. Mais uma sexta-feira igual a todas as outras na grande cidade
de Londres: ruas vazias e bares abarrotados, explodindo de gente. Em outros
tempos, eu seria o centro das atenções em um desses aglomerados de pessoas. Convidariam-me
a sentar em mesas importantes; eu beberia por conta da casa; depois contaria
mais uma de minhas histórias inventadas sobre a Guerra, de modo que todas as
mulheres se sentiriam seduzidas por minha bravura. Cheguei até a pensar que se as
falsas aventuras que criei já não estivessem tão batidas, talvez eu me
atrevesse a escrever um livro sobre elas.
Mas
essa noite era diferente dessa magia. Não passava do reflexo espelhado das
noites que outrora eu tivera. Como uma imagem pelo avesso. Eu não sentia a
menor vontade de me levantar da poltrona confortável diante da lareira. Faziam horas que eu estava quase imóvel, parado na sala
de estar do segundo andar da minha mansão, observando o fogo consumir a lenha. A taça de vinho numa mão, o charuto
importado na outra. Nada me trazia inspiração.
– Senhor Mason? – chamou a voz conhecida de
Alexander, meu mordomo.
– O que é? – respondi secamente, sem encará-lo.
– Chegou uma carta para o senhor.
– Deixe na mesa, ao lado da garrafa de vinho –
ordenei, sem fazer questão.
– Sim, senhor – ele obedeceu, depois tornou a
dizer: – Senhor?
– Ora, essa! Fale logo de uma vez, Alexander! –
bradei, sem tirar os olhos das chamas que crepitavam na lareira.
– Perdoe minha insolência, senhor – eu não podia
vê-lo, mas tinha certeza de que ele fizera uma reverência ao dizer isso – Gostaria
de dizer que, caso o senhor não precise mais de meus serviços por hoje, estou
de saída.
– Vá depressa e não volte a me importunar – eu traguei
o meu charuto e lancei a fumaça para cima – E apague as luzes antes de ir.
– Sim, senhor.
Ouvi quando ele se foi, conversando em voz baixa
com a empregada e a cozinheira. A sala de estar era o único ambiente iluminado
da mansão. E eu me vi sozinho dentro de uma casa que
tinha espaço para abrigar centenas de pessoas. É claro que eu não tinha a menor
vontade de dividir minha fortuna com os menos favorecidos ou qualquer coisa
nesse estilo bom samaritano. Mas eu me sentia solitário; e a procura por alguém
que suprisse esse vazio já tinha esgotado toda a minha paciência.
Devaneando enquanto bebia e fumava, voltei a pensar
nela. A única mulher que realmente amei na vida. E em como o bastardo filho de
meu pai arrancou-a de mim, sem que eu pudesse tê-la. Há alguns meses cheguei a
escrever para minha amada Dorota, mas nunca obtive qualquer resposta. Apesar de
ter demonstrado grande afeto por mim, tenho certeza de que ela jamais seria capaz
de trair o marido.
Todas aquelas damas com quem eu me ocupava já não
me eram mais suficientes – sempre iguais, sempre apaixonadas pelos meus feitos
heróicos, sempre meramente substituíveis. Eu tinha tudo. E a única coisa que
não tinha era Dorota. Por isso eu a desejava tanto.
Deixei
o charuto no cinzeiro e tomei coragem para me levantar. Estava decidido a ir
dormir cedo, já que não havia nada interessante para fazer naquela noite. Ao colocar
a taça de vinho vazia sobre a mesa pequena ao lado da poltrona, vi o envelope
que Alexander tinha deixado ali em cima. Estendi a mão para pegá-lo, mas no
mesmo instante, ouvi um barulho estranho vindo do andar de baixo. Fiquei em
estado de alerta imediatamente.
– Quem está aí? – perguntei.
Nenhuma resposta, o que só fez aumentar a minha
desconfiança. Com o envelope nas mão, caminhei pelo corredor e parei no topo da
escada, esquadrinhando minuciosamente o ambiente lá embaixo. Tentei encontrar
qualquer alteração no que via através da penumbra causada pela claridade que
vinha da sala de estar, mas nada parecia fora do lugar. Lá embaixo, a escuridão
era abrangente. Eu sabia que não seria seguro descer, mas era como se algo me
empurrasse pelos degraus. Quase grudado no corrimão, eu tirei os sapatos para
não fazer barulho e andei devagar. Ao chegar na metade da escadaria, eu me vi
num negrume assustador. Tentei refrear a mim mesmo, mas estava curioso. Senti as
pernas começarem a tremer, mas ainda assim continuei a caminhada, estranhando a mim mesmo pela bravura incomum.
– Quem está aí? – tornei a perguntar.
Nenhuma resposta.
Parado bem em frente à janela alta que dava para a
rua, eu ficava iluminado pela luz que vinha dos postes na calçada. Isso fazia-me sentir estranhamente vulnerável, à mercê das vontades de quem
quer que estivesse ali. Todas as dúvidas tinham ido embora: eu tinha certeza de
que não estava sozinho. Isso fazia um tremor percorrer-me o corpo. Rapidamente,
esquivei-me da claridade dos vitrais da janela e tentei acostumar minha visão à
falta de luz.
Com certa dificuldade, pude distinguir os contornos
da mobília. Uma estranha sensação de estar sendo observado causava certo formigamento em minha nuca. Caminhei o mais
silenciosamente possível até o extremo oposto do cômodo e tateei na parede à
procura do interruptor. Por um instante, meus olhos arderam quando todo o
ambiente foi inundado pelas lâmpadas dos lustres que pendiam do teto. Pisquei com
força algumas vezes, levantando a mão para tapar o rosto. Alguns segundos
depois, quando voltei a encarar o ambiente, uma figura estava parada a poucos
metros de mim. Um homem, com o braço estendido, apontando uma arma diretamente
para o meu peito. O sangue parou de correr por minhas veias quando eu o
reconheci. Ele sorriu de contentamento e depois disse:
– Olá, Phill. Presumo que tenha sentido minha falta.
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