sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O crime de Vicent Nicholls - Capítulo XIII


Era início de noite. Mais uma sexta-feira igual a todas as outras na grande cidade de Londres: ruas vazias e bares abarrotados, explodindo de gente. Em outros tempos, eu seria o centro das atenções em um desses aglomerados de pessoas. Convidariam-me a sentar em mesas importantes; eu beberia por conta da casa; depois contaria mais uma de minhas histórias inventadas sobre a Guerra, de modo que todas as mulheres se sentiriam seduzidas por minha bravura. Cheguei até a pensar que se as falsas aventuras que criei já não estivessem tão batidas, talvez eu me atrevesse a escrever um livro sobre elas.
Mas essa noite era diferente dessa magia. Não passava do reflexo espelhado das noites que outrora eu tivera. Como uma imagem pelo avesso. Eu não sentia a menor vontade de me levantar da poltrona confortável diante da lareira. Faziam horas que eu estava quase imóvel, parado na sala de estar do segundo andar da minha mansão, observando o fogo consumir a lenha. A taça de vinho numa mão, o charuto importado na outra. Nada me trazia inspiração.
– Senhor Mason? – chamou a voz conhecida de Alexander, meu mordomo.
– O que é? – respondi secamente, sem encará-lo.
– Chegou uma carta para o senhor.
– Deixe na mesa, ao lado da garrafa de vinho – ordenei, sem fazer questão.
– Sim, senhor – ele obedeceu, depois tornou a dizer: – Senhor?
– Ora, essa! Fale logo de uma vez, Alexander! – bradei, sem tirar os olhos das chamas que crepitavam na lareira.
– Perdoe minha insolência, senhor – eu não podia vê-lo, mas tinha certeza de que ele fizera uma reverência ao dizer isso – Gostaria de dizer que, caso o senhor não precise mais de meus serviços por hoje, estou de saída.
– Vá depressa e não volte a me importunar – eu traguei o meu charuto e lancei a fumaça para cima – E apague as luzes antes de ir.
– Sim, senhor.
Ouvi quando ele se foi, conversando em voz baixa com a empregada e a cozinheira. A sala de estar era o único ambiente iluminado da mansão. E eu me vi sozinho dentro de uma casa que tinha espaço para abrigar centenas de pessoas. É claro que eu não tinha a menor vontade de dividir minha fortuna com os menos favorecidos ou qualquer coisa nesse estilo bom samaritano. Mas eu me sentia solitário; e a procura por alguém que suprisse esse vazio já tinha esgotado toda a minha paciência.
Devaneando enquanto bebia e fumava, voltei a pensar nela. A única mulher que realmente amei na vida. E em como o bastardo filho de meu pai arrancou-a de mim, sem que eu pudesse tê-la. Há alguns meses cheguei a escrever para minha amada Dorota, mas nunca obtive qualquer resposta. Apesar de ter demonstrado grande afeto por mim, tenho certeza de que ela jamais seria capaz de trair o marido.
Todas aquelas damas com quem eu me ocupava já não me eram mais suficientes – sempre iguais, sempre apaixonadas pelos meus feitos heróicos, sempre meramente substituíveis. Eu tinha tudo. E a única coisa que não tinha era Dorota. Por isso eu a desejava tanto.
Deixei o charuto no cinzeiro e tomei coragem para me levantar. Estava decidido a ir dormir cedo, já que não havia nada interessante para fazer naquela noite. Ao colocar a taça de vinho vazia sobre a mesa pequena ao lado da poltrona, vi o envelope que Alexander tinha deixado ali em cima. Estendi a mão para pegá-lo, mas no mesmo instante, ouvi um barulho estranho vindo do andar de baixo. Fiquei em estado de alerta imediatamente.
– Quem está aí? – perguntei.
Nenhuma resposta, o que só fez aumentar a minha desconfiança. Com o envelope nas mão, caminhei pelo corredor e parei no topo da escada, esquadrinhando minuciosamente o ambiente lá embaixo. Tentei encontrar qualquer alteração no que via através da penumbra causada pela claridade que vinha da sala de estar, mas nada parecia fora do lugar. Lá embaixo, a escuridão era abrangente. Eu sabia que não seria seguro descer, mas era como se algo me empurrasse pelos degraus. Quase grudado no corrimão, eu tirei os sapatos para não fazer barulho e andei devagar. Ao chegar na metade da escadaria, eu me vi num negrume assustador. Tentei refrear a mim mesmo, mas estava curioso. Senti as pernas começarem a tremer, mas ainda assim continuei a caminhada, estranhando a mim mesmo pela bravura incomum.
– Quem está aí? – tornei a perguntar.
Nenhuma resposta.
Parado bem em frente à janela alta que dava para a rua, eu ficava iluminado pela luz que vinha dos postes na calçada. Isso fazia-me sentir estranhamente vulnerável, à mercê das vontades de quem quer que estivesse ali. Todas as dúvidas tinham ido embora: eu tinha certeza de que não estava sozinho. Isso fazia um tremor percorrer-me o corpo. Rapidamente, esquivei-me da claridade dos vitrais da janela e tentei acostumar minha visão à falta de luz.
Com certa dificuldade, pude distinguir os contornos da mobília. Uma estranha sensação de estar sendo observado causava certo formigamento em minha nuca. Caminhei o mais silenciosamente possível até o extremo oposto do cômodo e tateei na parede à procura do interruptor. Por um instante, meus olhos arderam quando todo o ambiente foi inundado pelas lâmpadas dos lustres que pendiam do teto. Pisquei com força algumas vezes, levantando a mão para tapar o rosto. Alguns segundos depois, quando voltei a encarar o ambiente, uma figura estava parada a poucos metros de mim. Um homem, com o braço estendido, apontando uma arma diretamente para o meu peito. O sangue parou de correr por minhas veias quando eu o reconheci. Ele sorriu de contentamento e depois disse:
– Olá, Phill. Presumo que tenha sentido minha falta.

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